quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012



O POEMA INFINITO...

UM DIA, EM MEIO À GUERRA MUNDIAL, UM SOLDADO FERIDO DE UM FERIMENTO FATAL, SUSSURROU ESTAS PALAVRAS EM MEUS OUVIDOS:


Nossos donos temporais ainda não devassaram 
o claro estoque de manhãs
que cada um traz no sangue, no vento.
Passarei a vida entoando uma flor, pois não sei cantar...
Escultura de ar, minhas mãos 
te modelam nua e abstrata
para o homem que não serei.
...Só a nós mesmos podemos gerar...
Dissolvendo a cortina de palavras,
tua forma abrange a terra e se desata
à maneira do frio, da chuva, do calor e das lágrimas.


Fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro 
de terrenas delícias combinadas;
...pelas noturnas portas de pérola dúbia das boates;
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia)


Eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.
O sumo se espremeu para fazer um vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
Onde não há jardim, as flores nascem de um 
secreto investimento em formas improváveis.
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes...
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.
Um amor crepuscular, 
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Para fora do tempo arrasto meus despojos...


A terra
anda morrendo sempre.
A todos como a tudo
estamos presos
É sonho, sonho. Ilhados, 
pendentes, circunstantes,
na fome e na procura
de um eu imaginário
e que, sendo outro, aplaque
todo este ser em ser,
adoramos aquilo
que é nossa perda. E morte
e evasão e vigília
e negação do ser
com dissolver-se em outro...


Simples criatura
exposta aos ventos da cidade.
Curvo e desgarrado
na caótica noite urbana


E corre com pés de lã
na conspiração da madrugada


sem nas pupilas, flor ou vaso


sob a luz fraca, na sombra esculpida
ou depois da morte, nas campinas do ar
Dádiva de corpo na tarde cristã
Como se a cidade não servisse o seu pão
de nuvens
As casas inda restam,
os amores, mais não.
Toda história é remorso...


Sobre o tempo, sobre a taipa
a chuva escorre. As paredes
que viram morrer os homens.
Como a renda consumida
de um vestido funerário,
só a chuva monorrítmica
sobre a noite, sobre a história...
É tempo de fatigar-se a matéria
O chão começa a chamar
as formas estruturadas
O fino dardo da chuva
mineira sobre as colinas!
As velhas casas honradas
em que se amou e pariu.
Não basta ver morte de homem
para conhecê-la bem.
Uma colcha de neblina
me conta por que mistério
o amor se banha na morte.


Ai, preto, que ris em mim,
com saudade das ambacas
que nunca vi, e aonde fui
num cabelo de sovaco.
Numa visguenta doçura
 de vulva negro-amaranto
tu me despertavas, linha
que subindo pelo artelho,
enovelando-se no joelho,
dava ao mistério das coxas
uma ardente pulcritude,
um coalho fixo lunar,
neste amarelo descor
das posses de todo dia
definitivas eternas
coisas bem antes dos homens.


 Diante da viração
perfumada dos cafezais q trança na palma dos coqueiros
q dormem a paz de Deus entre santas e santos martirizados.
Há de ser violento
sem ter movimento.
Sofrerá tormenta
no melhor momento.
Não se sujeitando
 a um poder celeste 
ei-lo senão quando 
de nudez se veste, 
roga à escuridão 
abrir-se em clarão. 
Este será tonto 
e amará no vinho 
um novo equilíbrio 
e seu passo tíbio 
sairá na cola 
de nenhum caminho.
Vai fazer tanta besteira 
e dar tanto desgosto 
que nem a vida inteira 
dava para contar. 
E vai muito chorar. 
(A praga que te rogo  
para teu bem será.)
E a vaca Beliza dará leite no curral vazio para o menino doentio, 
e o menino crescerá sombrio, e os antepassados no cemitério 
se rirão porque os mortos não choram.
Os parente que eu amos expiraram solteiros. 
Os parentes que eu tenho não circulam em mim. 
Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é dos pretos,
minha carne, dos palhaços, minha fome, das nuvens, 
e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.
És nosso fim natural e somos teu adubo,
tua explicação e tua mais singela virtude...


E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco
A mais tênue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe.
E nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram
Então no mesmo esquecimento se fundirão.
E lagoas de sono selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia...


Eu em face do espelho, 
e o espelho devolvendo 
uma diversa imagem, 
mas sempre evocativa 
do primeiro retrato 
que compõe de si mesma 
a alma predestinada 
a um tipo de aventura 
terrestre, cotidiana.
A razão sem razão
 de me inclinar aflito
 sobre restos de restos, 
de onde nenhum alento 
vem refrescar a febre 
deste repensamento; 
sobre esse chão de ruínas 
imóveis, militares 
na sua rigidez 
que o orvalho matutino 
já não banha ou conforta.
Amar, depois de perder.


Sabendo que toda carne 
aspira à degradação, 
mas numa via de fogo 
e sob um arco sexual...
Amou. E ama. E amará.
Só não quer que seu amor 
seja um aprisão de dois, 
um contrato, entre bocejos 
e quatro pés de chinelo.


O pasto inédito 
da natureza mítica das coisas, 
noturno e miserável... 
Essa total explicação da vida, 
esse nexo primeiro e singular. 
Monumentos erguidos à verdade; 
e a memória dos deuses, e o solene 
sentimento de morte, que floresce 
no caule da existência mais gloriosa...


À sua casa cinzenta 
chega, coberto de pó. 
Deixou lá fora o que havia 
capaz de inspirar-lhe dó. 
Há na roupa uma presença
um elo qualquer, um nó,
 que ao sozinho de nascença
faz menos só.


...Onde busque nossa paixão
libertar-se por todo lado...


...nem o arminho nem a carne concentram a beleza definitiva e fluida.


...entre calmos
sonos de posse te fruem
 tal o morto aos sete palmos.


...E colhe de rama em rama
toda cantiga de pássaro.
É doce, ficar na cama.


E, não me levando à rosa
de um impossível jardim
(flor a mais deliciosa 
mas que não é para mim)


Talvez porque me faltasse água corrente, 
hoje a tenho repesada nos olhos


O sentimento do universo 
contido em simples escultura
Ó na sombra consoladora de todo o sal dos olhos,
Faze-nos de novo crianças e leva-nos a brincar
nos jardins do céu com teu filhinho de ouro.


Caminhávamos através da lua
boiávamos em luar
Estávamos mortos e não sabíamos, 
sepultados, andando, nas criptas do luar.


No jardim da velha praça, 
o grupo, disposto em leque...


Não sou leitor do mundo nem espelho 
de figuras que amam refletir-se 
no outro à alta de retrato interior.
Sou o Velho Cansado 
submisso o vão comércio da palavra.
...que este tempo a mim distribuído 
cai do ramo e azuleja o chão varrido.
Sinto estátuas futuras se moldando 
sem precisão de mim 
que quando jovem
nunca pulei muro de jardim 
para exigir do morador tranquilo
a canonização do meu estilo.
Respeitem a fera. Triste, sem presas, é fera.
Na jaula do mundo passeia a pata aplastante...
Não quero oferecer minha cara como verônica nas revistas.


Quero de mim a sentença
 como, até o fim, o desgaste 
de suportar o meu rosto.


Poesia, morte secreta.


E esse cavalo solto pela cama, 
a passear o peito de quem ama.

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